terça-feira, 10 de março de 2009

Sensacionalismo em pauta

Sensacionalismo. O termo já foi palavrão dentro das redações. Consigo, hoje, imaginar o dia em que ele figure nos manuais de determinados produtos pseudo-jornalísticos, vez que já tem lugar na pauta e na demanda da opinião pública.
Estava na fila do banco, no horário do almoço. Um rapaz me reconheceu do vídeo. Disse gostar muito do meu trabalho - faço comentários no matinal da Record, além de reportagens locais e nacionais para os jornalísticos da rede. Voltando ao rapaz, ele, que me reconheceu, fez a pergunta que me suscitou os questionamentos que ponho aqui: "E aí? Quantos morrem amanhã?"
Agora, lia um texto, no blog do meu irmão (http://www.misantropiavirtual.blogspot.com/) onde ele dá mais um exemplo. Vale conferir.
O rapaz, que me elogiou, não deu margem para dúvidas. Queria morte. É isso, infelizmente, que o povo quer na TV. É isso que se oferta hoje em dia. Imaginava-se-se, a princípio, quando surgiram os primeiros vampiros midiáticos, uma espécie de entidade que se alimenta de sangue alheio, que estes não resistiriam à luz dos holofotes por muito tempo, mas, infelizmente, tais aberrações guardam apenas a semelhança no adorar hemácias à linhagem originária pensilvênica. Ao contrário daqueles, não se resgurdam à noite para vir à tona. Explodem nas nossas caras, com jorros de sangue e saraivadas de balas, desde o raiar da manhã.
Esses dias, ouvi um colega novinho, de uma outra emissora, choromingar aos meus ouvidos que não sabia o que fazer. Me pedia ajuda. Tinha ido ao Fórum cobrir uma audiência, mas a pauta trazia uma orientação sinistra, bem específica, que ele achava difícil conseguir ali, no tribunal do júri. "Pegue o sensacionalismo da coisa". Eram essas as palavras textuais. E era uma audiência numa vara de família, o que, por lei, corre em segredo de justiça, exatamente par evitar exposição de questões pessoais. Disse a ele que ligasse para a redação e falasse que aquilo não existia. Que era impossível trabalhar sob uma tão funesta orientação, sobretudo num caso daqueles. Ele rodou para lá e para cá e não tocou no telefone. Me afastei. Não era um colega, como pensara antes. Que eles fiquem entre os seus.
Pessoas como o rapaz que me viu na fila não são mais a exceção a se lamentar, mas a regra que garante ao sensacionalismo os primeiros lugares em audiência. Não se encontra apenas na dita voz do povo ignorante a clamar por violência o desejo do terrível, do draconiano, do dantesco. Os chefes de reportagem, os pauteiros, os que pensam o jornalismo vomitam isso nas páginas, outrora sagradas, de uma pauta - orientação primeira, guia que enquadra, apruma, direciona o repórter. Sensacionalismo, eis o desejo, a direção proposta, o novo Proteu dos nossos dias.
Quando essas bestas apocalípticas, anunciadoras do fim do jornalismo como se conhece hoje, começaram a surgir, alguns anjos soaram trombetas esperançosas. Em seus cânticos, a melodia proclamava que não haveria espaço para os monstros. Nem espaço nem tempo. Seriam poucos e efêmeros. Teriam um nicho restrito de mercado. Eles, os otimistas, estavam enganados. Os primeiros seres trevosos se perpetuaram. Tornaram-se prefeitos, morreram. Mas de morte natural, dessa que se dá com o cessar do batimento cardíaco, ou do funcionamento cerebral, a depender da vertente médica. Não da morte figurada que os anjos davam a crer que expirariam quando cantaram erradamente a pedra do seu jazigo.
Metaforicamente eles vivem e se reproduzem. Andam pela terra gerando filhos e filhas. E estes vêm em ninhadas. Não têm respeito a nada nem a ninguém. Querem apenas audiência a qualquer custo. E descem o mais baixo que podem para isso. Não temem a lei, o ministério público, nada. Violam a dignidade da pessoa humana. Ignoram que estamos numa república. Cospem na Constituição Federal, chegando a desrespeitar uma das suas Cláusulas Pétreas, disposições inalteráveis para que o Estado democrático brasileiro seja vivo. E a que ignoram é a mais importante de todas: os direitos e garantias individuais.
Foram eles que deram origem ao constitucionalismo. Estão conosco desde a Lei maior das Américas, de 1787, ou da França, de 1791. No Brasil, com uma constituição democrática de pouco mais de 20 anos, vemos esse desrespeito. E feito por jornalistas. Quantos, ainda vivos, ainda ativos, lutaram, no jornalismo, sob tortura, chegando mesmo a morrer, para que tivéssemos um estado livre. É a constituição que estrutura este estado, que lhe dá organicidade e organização. Que lhe dá a liberdade, da qual esses abutres abusam com uma vilania torpe e enojante.
Se não respeitam essa lei, a lei matriz, o tronco do qual derivam todos os ramos do direito e, portando, do estado brasileiro, porque diabos levariam em consideração os valores que fundamentam o bom jornalismo?
Mas que os bons jornalistas não se rendam, pois esse pedido de sensacionalismo, feito, no caso da pauta que citei, a um colega foca - inexperiente no ramo -, ainda não é atrevidamente lançado contra os peitos de um redator mais experiente. Mas este dia há de chegar. Será o dia de dizer não. De separar o joio do trigo. "E nesse dia, haverá choro e ranger de dentes"...

2 comentários:

Ângelo disse...

Caro irmão.

Endosso tudo o que escreveu, mas o meu temos vai um pouco além. Meu temor está justamente onde termina o seu texto. Será que esse dia realmente haverá choro e ranger de dentes?
O que mais vejo é reduzir-se dia após dia o montante de bons profissionais no jornalismo e se engrossar cada vez mais a fileira dos "vampiros midiáticos", acho que se essa insurreição não ocorrer o quanto antes, não surtirá efeito algum. Eis o meu medo.

Meu medo não é que não se diga o não - sei que existe gente boa o suficiente para dizê-lo - meu medo é que, chegado esse momento, sejam tão poucos os que digam e tantos os que provocam os ruídos, que o grito seja abafado entre jargões de apelo e seja inaudível.

SOCORRO, MEU DEUS, EU NÃO QUERO MORRREEEER.

Textos ao Vento disse...

Belo libelo de resistência, caro Gabriel! O fato de nós, jornalistas, começarmos a nos levantar contra esse velipendio ético cevado nas redações "espetaculares" já é uma esperança. O vampirismo midiático é um fenômeno da indústria cultural. Miséria é produto editorial diário, pois é audiência e lucro. Cabe-nos a denúncia dessa engrenagem podre, como você está fazendo. Em frente, colega!