quarta-feira, 11 de março de 2009

A era do falso escândalo

Já dizia Luiz Gonzaga, no seu clássico disco de entrada no estrelato, nos anos 70, sob a direção de Waaly Salomão (ou Saylormoon, como ele preferia), que "Coroné é coroné mesmo". Falava ele do fim do coronelismo. Quem imaginaria, mesmo àquela época, que um escândalo como o que hoje envolve a cúpula da PM baiana se tornaria público, verdadeiramente público, imagético, com direitoa cenas gravadas por outros policiais, os civis, e exibidas nas redes de televisão. Um material produzido por uma facção da segurança pública comprometendo a outra. A questão do desentendimento entre cúpulas pociais é irrelevante para o argumento aqui tratado: a nova esfera de visibilidade pública se vê diante de uma nascituro monstrengo: o escândalo de encomenda, que pode ser real em alguns casos, mas pode virar o ainda mais assustador falso escãndalo. As câmeras de segurança, os milhares de celulares que filmam, tiram fotos e, alguns, até editam, acabaram por criar uma nova realidade conceitual, na qual tudo que pode, deve ser divulgado. Não foi uma câmera de segurança ou um flagrante de um celular que exibiu a prisão dos coronéis. Foi uma filmagem realizada por outros agentes públicos e entregue, de bandeja, nas mãos da imprensa. Há uma nova cultura. E hoje, quase tudo pode ser mostrado. É fácil, barato, e o que vale frisar aqui, pois é a única novidade, constitui-se num novo hábito cultural. Ele funda-se nas mesntes dizendo que é preciso divulgar, sempre tornar público - mesmo que se precise criar um pouco para isso, ou supervalorizar alguma coisa, o que dá quase no mesmo. Até onde o público em si ganha com isso é algo a se questionar. A coisa pública, então, a partir do momento em que se expande e alcança quase tudo, fica indistinta e indefinível. A distância entre o público e o privado some e aparece algo que não sabemos ainda o que seja. Não são mais apenas mortes, acidentes, criminosos, mas sim uma ámálgama com tudo isso que toma a cena. Encena-se, no mundo midiático, uma opereta bufa onde todos estão sujeitos, são personagens, queiram ou não. É bem pior que o grande irmão e tem de tudo para agravar-se ainda mais e crescer exponencialmente. Além da tragédia e da divulgação de escândalos, parece se avizinhar a era dos factóides escandalosos, uma figura que apresentaria semi ou mesmo pseudo-escândalos como se os fossem de fato, apenas porque divulgar um escândalo é tão importante que fazê-lo se sobrepõe mesmo à necessidade de que esse escãndalo exista. Isso já começou a aparecer com os programas sensacinalistas, onde o factóide da morte chegou ao ponto de exibirem-se vídeos catados no you-tube como se fossem tragédias da vizinhança e onde - caso ainda pior -, mostram-se mortes reais e cotidianas, sem nenhum relevo noticioso, apenas porque são mortes, foram filmadas e podem ser exibidas. O falso escândalo parece ser o novo tipo que se desenha por aí. Já observamos seus esboços, ainda tímidos - ou nem tanto, aqui e ali. E o pior é que este tipo que se avizinha não terá potência apenas para figurar em programas de terror-notícia. Este tipo vai habitar os noticiosos nacionais, ter seu lugar entre os destaques da grande mídia. Podemos estar às portas de uma nova era midiática. Não mais a da exposição excessiva apenas, mas a do falso escândalo. E todos podem ser vítimas, ou pior, protagonistas, das peças narrativas desa nova era.

2 comentários:

Robledo Castro disse...

Ôpa! Muito bom o blog. Escrever sem compromisso o que vem à cabeça é muito sadio. Bom saber que mais e mais pessoas se divertem no mesmo prazer.

Obrigado pela visita ao "Palavras Informais". Sempre que der passarei por aqui para conferir as novidades.

Abraços e tudo de bom!

Ângelo disse...

Caro Irmão,

Interessante, quando li o que você escreveu só me recordei da mudança de era na imprensa tão alardeade antigamente por Nelson Rodrigues.

"Os idiotas da objetividade", com o seu copydesk, tomaram conta, e ele narrava a "morte do ponto de exclamação". Hoje temos uma morte mais importante. O jornalismo inteiro vem morrendo e dando lugar, não à objetividade, mas ao fantasioso, o espetacularmente violento.

O que diria Nelson Rodrigues dessa nova mudança?